"Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor: apenas respeitadas, como a única coisa que resta a um[a mulher inundada] de sentimentos." (OM)

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Licenciando, licencianda

Nos dias em que eu, 'licencianda', chego ao colégio pro estágio e encontro com uma professora de matemática, as perguntas dela são sempre as mesmas: 
"Você quer se tornar professora? Tem certeza que você quer se tornar professora? Pra quê você quer se tornar professora?".
E essas perguntas ficam rodando na minha cabeça. E outras tantas surgem...
Como eu posso ser tão pretensiosa a ponto de, entre os meus tantos anseios, querer me tornar algo como um dos meus heróis? Como posso eu ter a audácia de refletir sobre seus pontos fortes e fracos e pensar em novas maneiras de se realizar esse ofício delicado de educar? A verdade é que eu não sei se posso, nem sei se vai dar certo. Desejos podem ser só desejos.
Se descobrir a própria identidade como sujeito é algo que requer tempo, cuidado, dedicação e introspecção, e ainda uma vivência que leva uma vida toda; descobrir a própria identidade como professor, aquele herói que se incumbe de mediar a autodescoberta e o desenvolvimento de um outro indivíduo, que pode exercer um papel tão marcante a ponto de mudar toda a existência de alguém, é algo que exige um altruísmo, essa tal doação de si e ainda uma firmeza em abrir trilhas e horizontes para outros tamanho que faz deste um fazer para raros. "Só para raros", e para ainda mais raros se pensarmos na atual falta de reconhecimento e espaço que os professores ocupam em nossa sociedade (embora, se questionados, cada um possa confessar ao menos um professor que lhe mudou a vida).
No momento em que eu me encontro a uma semana de fazer minha primeira tentativa de sê-lo, talvez frustrada porque sei que o erro certamente aparecerá muitas vezes antes que eu acerte em algum ponto, a insegurança me invade toda por dentro. Eu muito mal sou eu, como fazer um outro ser a si próprio?
Penso. Penso. Não me sinto heroína, nunca fui, não sou, não tenho de fato nenhuma pretensão de ser tal, e tenho plena consciência de que nunca serei.
Mas há algo em cada professor em exercício que é intrínseco: a tal da esperança - essa chama inapagável (ainda que em determinadas situações seja quase impossível mantê-la acesa). Professor é uma profissão que não faz sentido se não houver nem um fio de esperança. E essa esperança é a única coisa que me resta, que me aproxima. Esperança de poder ajudar em algo em algum momento, ainda que de maneira torta e sem jeito, nas trilhas de alguém.
E então, com todo medo por estar muito muito longe de tudo o que meus professores representaram para mim e com muita gratidão à eles, eu digo que sim - entre outras coisas, gostaria de me tornar uma educadora. Mas só porque eu guardo dentro de mim como chama inapagável essa tal esperança que eles se incumbiram de acender e de manter acesa em mim.


16.10.14

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Não te amo porque és homem

Desculpa se não te amo porque és homem,
Mas não te amo porque és homem.

Julgo-me pessoa compreensiva
Mas jamais entenderei o “dever de amar”:
“Deves amar” alguém do sexo oposto,
Alguém de mesma cor, mesma crença,
Mesma terra de nascença, mesma classe popular.
Como se amar fosse dever...
Como se assim se pudesse amar...

Eu não, não te amo porque és homem.
Do tal sexo masculino há por aí pencas
Quase todos tentando estar sob “os mesmos”:
Os mesmos traços, pesos, jeitos e trejeitos,
A mesma cabeça, formato, os mesmos parâmetros.
Como se se pudesse botar o mundo todo
Numa única caixinha minúscula!
Como se só houvesse dois tons:
Serás azul ou rosa.

Eu, Homo sapiens multitons
Confesso-me atraída por ti
Por teus pelos, tua barba, tuas linhas
Teu corpo inteiro... acho-te lindo!
Confesso também que no mundo há:
Multitons de beleza, de jeitos e sabores
Com e sem barbas, com e sem pelos
Com e sem órgãos no vão entre as pernas.
(Há muita beleza na espécie humana,
Convido-te a admirar!)

Mas o que me faz amar-te é tão somente o ser:
O ser que és no teu inteiro.
O vão que me interessa é o dos teus lábios,
O espaço entre teus braços e abraços;
Entre teus dentes, formando teu sorriso;
O vão que a luz invade na tua íris,
Mostrando-me tuas profundezas;
Entre teus traços na pele,
Mostrando-me tuas vivências.

E que se foda o azul e o rosa,
Juntos somos um arco-íris inteiro:
Iridescente, brilhante,
Cada nova cor a cada novo ângulo.
Chamamo-nos namorados,
Sabemos que não somos, não desse tal jeito perpetuado.
Não temos contratos, fazemos nosso cada novo dia.
Eu vejo milhares de contratos quebrados todos os dias,
Símbolos vazios de significados, sorrisos tristes,
Olhares de mentira, palavras em vão.
Meu amor, como podemos botar coisas tão diferentes no mesmo saco?

Não és meu, não sou tua.
Não te possuo, não me possuis.
Nosso amor há de ser livre, de outro jeito não há!
Quando digo-te que és o meu amor
É porque és desta forma apenas meu:
O amor que sinto por ti é apenas meu.
E tu és o meu amor porque és tudo o que o torna vivo,
Vivo o meu amor que é meu,
O amor que sinto e tenho pra mim.

E nesse amor livre somos livres:
Livres também para acompanhar um ao outro,
E para que sejamos únicos se assim desejamos.
Não precisamos de coleiras, amarras, anéis,
Promessas, contratos, obrigações,
de caixas organizadoras do que somos
Ou do que deveríamos ser.

Somos no mundo.
E onde quer que eu vá
Voamos juntos, pulsamos juntos,
Amamos juntos: a nós e ao mundo.
Vivemos no mundo.
E então quando te encontro
E nos olhamos nos olhos:
Nos olhamos nos olhos...
-É... És. Sou. Somos.-
Profundamente.

sábado, 7 de junho de 2014

Man, do not fall.

M. Nature, I called you, but maybe you didn’t understand it. Don't pretend that you’re ‘deaf’ cause I know that you are not, or you'll make me scream!  Please do, please do something. Take it. Avoid it. Just don't let that happen… He can’t fall this window, this tiny hole of life!  Come here, man, do not fall. Do-not-fall. You have to fly firstly… The world has to see you flying (I saw you training, and your flight is so beautiful…). You’re younger… You’re one of my few sweeties. You CANNOT fall! You are a good boy with a big smile and a huge heart. I know boy, relying on me, I’ve been far.  But, actually, here inside, in this fluid space of thoughts and feelings, where the life really happens… I’ve always been there: Cheering for you, wishing your happiness.  I was sad when you looked sad and very happy when you looked happy. A large slice of my happiness is your condition of happiness. Nature, you have to do something. ‘Cause if you’ve heard an ‘I Love you’, if you’ve seen sweet eyes, I mean, those sweet eyes… You’ll understand what I'm saying.

terça-feira, 6 de maio de 2014

Ode à bar-ba-bár-ba-ra


Bar-ba-bár-ba-ra
De um bár-ba-ro viajante do mundo.
Metáfora concreta do homem menino,
Recente menino-homem, homem.

Só se pode tê-la arraigada e forte quando já se é.

Um homem de floresta masculina
Permeada por encantos, selvagens cantos
Por frescos rios que tomam fôlego
Alimentando a vegetação por-entre-onde serpenteia.

Vales. Montanhas. Abismos. Sombras. Suor.
Toque. Cheiro. Doce calor.
Mato molhado, verde sabor. E continua...

A perder-se em meio à floresta inexplorada
À margem, à fonte das águas
No reservatório-espelho
Onde a Lua beija a superfície do rio.
.Arrepio.

Avançando o extremo de seu próprio corpo
Que se perde do mundo
Entre a serrapilheira que recobre o véu da face.
E se torna o mundo. E é o mundo.

Deixar-se levar,
Apagar de todas as extremidades
Num fluxo único que roda-e-gira-
-e-gira-e-roda-
-e- roda-
-enlaça-...-

Atrás do descaso,
A floresta inexplorada se esconde
Junto à leve brisa afável e arfável,

Junto às gotículas orvalháticas
Da imensidão do ser-não-ser,
Do ser e do morrer,
Do paradoxal encontro com a máscula floresta

O homem que se trilha
E esconde o solo verdejante
Do menino-terra-imóvel-viajante

Em sua beleza profana.

Seis.de.maio.de.dois.mil.e.quatorze.

terça-feira, 11 de junho de 2013

Carta esquecida de um invasor





Ó Colombina...
Como poderia eu declarar meu amor por ti?
Ainda me lembro daquele tempo remoto que te conheci, no qual eu apenas te admirava todos os dias. E a cada beijo amigo de despedida queria eu te dizer: “Fica comigo para sempre!”, mas eu sempre muito tímido nunca consegui.


O tempo passou e não era ao meu lado que você estava, fiquei triste. Solitário. Como poderia eu competir com Arlequim?
O tempo não pará! Por mais concretas que fossem as dificuldades que o inverno lhe trouxera, não acho que foi graças a isso o motivo pelo qual a mágica se revelou. Sim! Estou falando daquele moço, aquele que você adora me falar. Foi exatamente ele que me ajudou.


Justo ele, o destino. Foi com ele que aprendi que agente não escolhe por quem se apaixona, porque a vida sabe fazer isso bem melhor.


Então Viva a Noite! Foi na ilusão de que tudo poderia mudar, que a mágica se mostrou.
Foi naquela espetacular noite fria, que minha pele borbulhou de calor por você. E então as coisas já não eram simplesmente Trash. Éramos apenas nós dois, e não poderia ter sido diferente, porque daquele momento em diante nada mais importava.
Ainda me lembro muito bem do seu dançar como êxtase... E hoje sei que acertei em te desobedecer!


Na imensidão de eu e você no qual cada momento é perfeito porque é aquele momento! Não o que passou e nem o que está por vir, é realmente diferenciado apenas porque está sendo vivenciado com você.
Dia após dia e não estamos apenas lidando um com outro, estamos fazendo diferente, estamos fazendo algo especial, ou melhor mágico.


E será que um dia já acreditei em mágica? Em destino? E hoje acredito?
Afinal como lutarei com o fato de que nunca precisei te escolher, tudo já tinha sido escolhido.
Ou então, o fato de um simples sorriso seu esboçado em minha direção significar um “Eu te amo” para mim.


Como Pierrot devo dizer que não deves tomar esses versos como simples palavras jogadas, pois são neles que a realidade tomou sentido. Já não é mais um poema romântico! Agora são versos construídos da mais pura sinceridade. Nele meu coração está todo aberto, totalmente exposto em prol do amor.
Acreditar nunca mais estar sozinho! Nunca mais deprimido! Não mais chorar por não te ter Colombina!


Com mais puro Amor,

Seu Pierrot.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Menina-dos-óculos


A menina por trás dos óculos vê um mundo embaçado,
desagradável ao olhar alheio.
Um mundo onde o jeito é mais bonito que a forma,
E o frescor do toque é mais agradável que os modos.

A menina-dos-óculos não gosta de tê-los
e o mundo perfeito a faz enxergar os defeitos.
Eles lhe escondem o rosto a face os olhos o mundo,
tornando-a algo a quem ser não deseja
(é comum o redor mudar gente e o vento as pedras).

E covarde, atira-se na caixinha do mundo perfeito
cheio de defeitos.

Mas: muito embora os óculos lhe mudem os olhos e a face,
o jeito e o embaralhar da imagem
e façam ainda as cores pararem de se misturar
tirando-lhe o arco-íris e o frescor

Quem vê o mundo diferente, timidamente
Trará sempre o mesmo olhar:
Com óculos, sem óculos...
Não há nada a fazer, nada se pode mudar.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Paulista.

A Paulista é quase uma floresta cinza pra mim. Percorrer aquelas trilhas de pedras, me embrenhar por caminhos culturais, por novidades antigas... Me alimentar de letras, livros, filmes cult, peças, músicas, histórias, pessoas de todos os tipos e jeitos. Explorar meu lado 'cientista de gente', reparar na beleza de casarões, de delícias, de paredes descascadas, de caretas e sorrisos. Manhã, tarde, noite e madrugada se instalando ali de maneiras tão diferentes... Descobrir um Dom Casmurro em inglês, com comentários do NewYorkTimes, coração palpitando! Cortinas de cores e rasgos diferentes, línguas e cheiros... Essa necessidade de florestas que eu tenho: as verdes e as cinzas, desbravando e me deliciando ao lado do melhor 'companheiro de aventuras' do mundo! Ah...!

terça-feira, 17 de abril de 2012

Magicamente


O amor em histórias de livros, filmes, peças é admiravelmente lindo. No entanto, não é lá que encontramos as verdadeiras histórias de amor. Histórias de amor de verdade existem no dia-a-dia quando se percebe um casal de velhinhos juntos desde muito jovens, um casal de moradores de rua capaz de parar pra se abraçar, beijar e fazer cafuné, mesmo diante de uma realidade tão brutal. O amor entre alguns casais que a gente convive, que se divertem com as coisas mais simples da vida. O amor de alguns, que renasce de lágrimas a cada período conturbado que passam. O amor que acontece quando, mesmo sabendo que se ama aquela pessoa, apaixona-se por ela a cada novo encontro, tentando conservar durante uns longos segundos o olhar em cada traço, em cada gesto que surge subitamente como se fosse a primeira vez que tal pessoa lhe aparece pela frente, antes que outros gestos ainda melhores interrompam urgentemente essa doce admiração do ser amado. Dizendo-se a si mesma “Olha esse cara na minha frente. Como ele é lindo... e incrível. E ele é o meu amor, mal posso acreditar que sou o amor dele também. Eu nem lembrava o quanto eu o amava... Quer dizer, eu lembro que eu o amo, e muito. Mas não lembrava o quão mágico é esse muito”.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Esse barulho mudo

Vidros quebrados, cortinas rasgadas
Restos de comida pré-comidos pelos ratos.
Tudo varrido, tudo aspirado

(narinas podem ser bem largas quando há falta de ar...)

Pedaços de parede e pó
O bater de uma reconstrução
(reconstrução?)
Não concluída, e sem prazo pra terminar.

O suor de milhares de trabalhadores
e o sorriso triste (sim, triste!)
dos que deveriam, mas preferem cuecas

Toda essa estrutura mal-construída
Que quando tenta se organizar
Não suporta a entropia.

Parados! Calados todos!

Apenas eu...
Barulhos mudos dentro da minha cabeça
e gritos de terror
por perto, e por todas as partes do mundo

“But I’m not the only one.”

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Olhos, nus olhos




Ai, aqueles olhos que me olham...
Me engoliram, os meus olhos,
Mesmo não sendo meus!

O par que me invade
Alma, vida, corpo
Infinita felicidade
E vai parar além:

Além dos céus, além das estrelas
Por trás dos negros buracos
(Ininteligíveis e sinceros espaços)

Os olhos que brilham os olhos
E quando me olham intensamente,
profundamente... Ah!
Esses olhos que me olham
e são meus os olhos que não são.

- Eles -
Hipnotizam feito mundo
feito as grandes pequenezas deste mundo
Lindo. Olhos. Único.
Todos os dois que eu consigo olhar
E me assaltam, me tomam, me confortam
Assim que só eles,
aptos, hão de me amar.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Pedro Pedreiro, a seu dispor

Entrou no ônibus num gingado. Pôs óculos escuros na cara, anel de ouro barato. Um riso sutil e satisfeito de maturidade. Nos cabelos, um pouco do grisalho da idade.
Sentou do lado da moça nova, mas nos olhos fazia só lembrar o baile do fim de tarde, a próxima noite ao luar. Senhor? Sim. Morto? Jamais. Melanina e testosterona pra vender. Mais uma viúva senhora pra comer.
Pedro, pedreiro, pintor, encanador, eletricista. Quebra-galho a seu dispor. Encantado com o gingado da madura flor.
Sexta-feira é todo dia: cerveja, baile, mulher; logo depois da ardura da labuta, do suor da obra garrida.
Tomar banho, vaidade aflorar, água de colônia barata e só chegar.
Enquanto o García, empresário, ganhando a bufunfa (e o negócio que não funfa!). Patroa em casa, esmalte na mão, esperando pra dar sermão; e pegar a dinheirama pra se plastificar (e menos o homem olhar).
Porque o García trabalha também de sexta, sábado e domingo, até mais tarde. O trabalho é árduo não, a grana que é alta. Mas a vida, ah meu amigo, a dele é uma bosta.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

OUT!

Incluir us cara
Inclusivi us paletó
Incubidus de tal papel
Incapazis de olhá pra fora
Ispirado é só no séu, no ceu
In agora?
Incara us cara, cara
Incara u cara, canalha
I cadê a casa, o carro
I cadê as coisa
Incitada nus discursu
I cadê a cumida
I cadê a tal educação, irmão
Ié qui a vida tá só o cão
Incabível essa tal situação
Incorruptível essis ladrão?
Incutido na po(L)vocultura
Incréu das jura
Mas continua:
(shiiiiu)

O dia em que a rosa olhou para a Lua


Ó céus, ó azar! - dizia a rosa
E a Lua tão formosa de longe a observar
Passava todas as noites
-Bom dia, botão de rosa!
E a rosa continuava a lamentar
-Ó vida, ó azar.

-Mas pra quê tanto lamento, pequena rosa,
o mundo é tão especial, basta olhar
-É que a volta só há espinhos,
mas agradeço por se preocupar.

Duendes, criaturas mágicas e outros seres
viviam a sussurrar
-Olha que Lua linda, botão de rosa!
por que não se por a cantar?
-Eu gosto da Lua,
mas queria tanto mais a mar!
-Olha pro rosto da água, pequeno flor,
lá tu encontras o tal mar.
-Não, esta água é doce,
não há nela mar, ó azar!

Foi então que a primavera chegada
trouxe chuva de luar
E a rosa, embriagada
Experimentou a Lua a cortejar:
-Gosta de chuva, botão de rosa?
-Chuva é boa, mas chove aqui dentro também
afinal, nunca irei encontrar alguém?

Passarinho passava por ali
decidiu aconselhar e ouvir
-Olha pro lado, botão de rosa
o que tu procuras não está aí?
-Não, amiga bondosa
tudo está longe de mim e de ti

E a rosa deixou de pensar
Sonhar, acreditar e sentir
-Boa noite, botão de rosa!
devo sair daqui?
-Não, fica, Lua formosa,
a noite é linda te olhando daqui!
-Pois olhes no lago, botão de rosa
que teu pago já deve vir
-Lago, pago, mago, sapo?
-Fecha o olho e sente a ti

Colhe a Lua, então, o botão de rosa
Desabrocha formosa, de leve sorri
-Fica pra sempre, Lua mimosa?
noite linda já não é sem ti!

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Rugido da vela



Imersos no escuro do templo, palavras iam e vinham em todas as direções. De onde o fogo beijara a vela outrora num intenso clarear de emoções, ele perguntou.
"Quem 'tá aí?" e ela...
"Eu."
Não sei que imã invisível agiu, não sei que fluido inebriante, que névoa instigante, que véu os enlaçou.
Ao início, o néctar. A procura certa de quem estava ao lado, sem saber que procurava.
O nariz encontra o pescoço, a boca encontra o rosto, e a face passeia suave ao encontro inesperado. A respiração cessa assustada, o coração pára sem compreender, enquanto elas se unem sem perceberem. Elas estão tão certas de si que consomem o corpo com o mesmo ímpeto das velas de outrora. Boca e boca.
Um pingo miúdo e intenso de luz que ruge ao explodir.
Um olhar. "Te amo". Um susto.
O eu-te-amo mais curto e mais sincero que já se deu no mundo. Não houve medida.Não houve querer posterior.

domingo, 5 de setembro de 2010

Momentos


Assim como num filme de cinema
Você falou, e eu não acreditei
E te olhei, e vibrei
E fui correndo pros seus braços
Pulei e já não via mais nada
Apenas seus olhos verdes
Como um mar calmo
Você abaixou a cabeça
Como um bichinho manso
Que precisa de carinho
Um sorriso singelo e sincero
Meio envergonhado talvez
Não era um simples abraço
Nossas almas se entrelaçavam
Nossos olhos cintilavam
Éramos como dois rios
Um verde e um azul
Que finalmente se encontravam
Depois de um longo percurso
E se juntavam fervorosamente
De tanta felicidade por algum motivo
E eu girava, girava e não pensava em mais nada
Não era a chuva que caía
Mas estávamos dentro dela
Minhas pernas tremiam sozinhas
Não havia beijo pra selar
Nem um amor sensual a dar
Haviam apenas duas almas
Que depois de se olharem através dos olhos
Viam o quão bela podia ser uma amizade
Um amor de amigo
Mútuo e sem maldade
Tão intenso que eu podia jurar
Que duraria pela eternidade
Talvez a amizade até se perca
Pelo contato distante
Mas aquele momento era eterno
Onde um precisava
Da ajuda do outro
Como os pés que precisam da cabeça
Para os guiarem

2006 

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Campos Distantes



Eu te colho a cada dia
Como se colhe a flor dos campos...

Na aurora ainda adormecida
Ressoa o perfume do verde manto
E na elipse de lucidez
Vai a figura formando

A cada rutilar do vento,
A cada rugir do pensamento,
Teu nome tem gosto
Teu jeito, canto

Na confusão do doce timbre
Não querer que eu adivinhe
Querer dizer-te me leva,
Me enleva à doce quimera!
Mesmo diante da ausente face
Ainda que sem ti, presente faz-se
Esse efêmero sorrir

Tati Valença

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Apocalíptica Mente




Enoja-te a hipérbole de meus atos
Como se corroesse de veneno tuas entranhas
Como fosse eu bicho de outro regaço
Fosse peso demais a tua balança

Confesso sofrer sim de crônico exagero
Que causa o mundo vil à sensibilidade
Quantos foram assim na flor da idade!
Apenas permaneço inconstante inteiro

Que és tu, ó anestesiado?
Persistente sagaz do eufemismo
E ainda reclamas do meu cuidado...

Pois o mundo do mesmismo
Há de ficar deserto ao teu amparo
Há de ficar faltando pedaço


Foto: Nazif Topcuoglu

domingo, 27 de junho de 2010

Que tal?


Censuraram as verdades que eu digo. Mas há coisas que é preciso dizer.
Eu não tenho medo das palavras.
Não seja como a Lua que insiste em esconder periodicamente parte da face de seus sentimentos e angústias, que não diz o que pensa ou o que sente. Não seja hipócrita, porque esta face está lá o tempo todo.
As palavras, feias e sujas, estão lá, caladas. Covardemente
Existem coisas que precisam sair de dentro de você. Vamos lá, vomite todas elas. O vômito é amargo, não? É sujo, porco, feio. E tudo aquilo estava dentro de você. Fede. Fede e ninguém suporta, mas entende como é necessário?
Se não quiser mexer com estes pedaços regurgitados, palavras vindas e feitas de você, ao menos grite! Experimenta! Grita com a garganta, arranhando tudo por dentro. Usa o ar de seus pulmões e consome o do mundo a sua volta também.
Grita, porque o grito é a palavra em seu estado puro.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Teu caderno


“Eu só peço a você um favor, se puder, não me esqueça num canto qualquer.”
(Vinícius de Moraes)


Eu sou o teu caderno.
Um caderno de folhas alvíssimas em que preencheste com tua história.
Em mim, gravado em tinta preta, que não apaga, e em caligrafia torta, estão os teus segredos, às vezes borrados em gotas para que ninguém tome conhecimento; estão as tuas promessas, estas em letras garrafais; estão todos os teus planos pro futuro, vindos de um passado feliz e distante em experiências.
Um dia, pois, esquecestes teu caderno por aí.
Outros usaram. Tentaram escrever nele, mas só havia lápis. Jogado na rua, pisado em cima. Teu caderno sempre protegido em teus braços foi parar no meio do frio e da chuva, e teve que aprender na marra a agüentar as intempéries e tempestades.
Uns tentaram pegar o caderno e cuidar do caderno, entretanto, há nele o teu nome gravado e, sendo assim, te pertence e era novamente deixado de lado.
Há que se ocorrer um reencontro de papel para luz dos olhos do escritor, e há que se decidir o destino do teu caderno.
Ou continuas a escrever tua história com final feliz (ou outro final qualquer), ou arranca todas as folhas escritas por ti junto de teu nome. Caso contrário, este será apenas mais um caderno sujo, úmido e borrado, que só conhece histórias tristes.

Vinte e dois do seis de dois mil e dez, a R.C.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Direções.


Eu olhava pela janela quando algo curioso aconteceu. Um casal, um pequeno casal com brilho no olhar se despedia em frente ao trem. Um abraço apertado daqueles que tentam segurar o momento com as mãos, e os braços se afastando levemente durante eternos segundos, quando na iminência de se largarem, visto que ela não agiria por determinação, ele a puxou. Abraçaram-se. Beijou-a, de início um não, um quase sim, uma correspondência e finalmente um não. Era não, mas era um não ir embora também. Para ela, largar o passado era difícil, se desfazer das velhas histórias, dos velhos objetos, dos velhos sentimentos... Uma questão de sofrimento. Sentaram-se. Ele tentou, ela deixou. Deixou que beijasse seus lábios, seus olhos, sua face toda como nunca antes alguém beijara, nem mesmo ele. Deixou e não entendeu o porquê de tudo aquilo, já que antes era ela que o tinha feito sem um olhar sincero de retorno. Dois jovens cheios de defeitos. E daí? Acontece que o tempo passa, e este não perdoa. Vamos? Vou então. Não. Vou. Foi. Sem olhar pra trás foi. Aquele trem porém demorou mais que os outros. Destino? Talvez. Ela sempre acreditou em destino. Era tempo suficiente pra ela sair daquele vagão e dizer o sim, e fazer o sim - cinematográfico - com direito a aplausos dos presentes e rodopio sentimental. Mas de que adiantava se ele nunca acreditou em destino? O trem demorou ainda ali, tentando fazer com que um dos orgulhosos abrisse mão de alguma coisa que era pra acontecer, o trem tentou mais que os dois, e sem sucesso fez o barulho cotidiano e fechou as portas lentamente. Acabou. A minha história seria diferente se eu fosse aquela menina, mas aquela já não era mais a minha história, já não era mais o meu presente.

Foto: filme Slumdog Millionaire

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Este tempo-espaço



Não me reconheço neste tempo-espaço
Sou deslocada deste algo
Que sem saber convencionaram
Para de nada adiantar

Não me reconheço neste tempo-espaço
Porque minha velocidade não é constante
E se distingue do ritmo
Das moléculas irmãs

Me perco neste tempo-espaço
E só me encontro nos pedaços de templo
Nas vias de imaginação
Ou nos momentos onde a matéria se liberta

Me perco neste tempo-espaço
E meus templos são os palcos de luz
Ou a luz de um túnel arfável
Entre braços quentes ou abraços apertados

Não me encontro neste tempo-espaço
E vivo na infinita busca de algo que não sei o que é
Mas que daqui não faz parte
Porque minha velocidade é inconstante

Não me encontro neste tempo-espaço
E tento entender este mundo
- inteligível -
Ou tento achar o caminho
Para este outro infinito

Não sou deste tempo-espaço
Mas amo cada partícula
Que dentro do mesmo meio
Estabeleceu seu leve contato comigo

Não sou deste tempo-espaço
Não reconheço pessoa, hora ou lugar
Sou a adaptação metamórfica de um estranho ser
Num ilógico lugar.

Tati Valença, set/2009

sábado, 1 de maio de 2010

Palavras Apenas



Acho que não se deve ter medo das palavras. De fato elas podem ter um peso muito grande, uma profundidade feito um abismo, a expansão de um universo, mil traços de possíveis visões. Mas ela é uma extensão do pensamento ou do sentimento, quase como concretizar os fluidos invisíveis do mundo. Sim, palavra é a concretude como um tijolo jogado na mão de alguém. O problema não está em quem a profere, quem joga o tijolo, mas em como o tijolo é recebido. O receptor tem de estar preparado para recebê-lo, com sua bagagem de experiências e com as mãos postas e atentas a pegá-lo, caso contrário, o tijolo cai e quebra em mil pedacinhos, formando um mosaico de possíveis interpretações. E este pedreiro receptor, escolhe um deles para encaixar e construir uma casa deformada. A maior parte das pessoas deforma as palavras de quem profere por não saber o contexto em que se encaixam.
Eu não tenho medo das palavras, digo e prezo minha liberdade de dizê-las. Às vezes penso que não deveria ter dito uma ou outra, e por mais estranho que pareça, a maior parte das que eu duvido se deveriam ser ditas, ou não, são as doces e não as amargas. Mas prefiro duvidar das que eu disse do que deixar algumas por não dizer. O mundo tem que saber das coisas.
Digo mesmo, e digo com coragem e sem cautela, porque é tudo o que eu penso e sinto, é tudo o que é mutável, transcendente, e ainda digo por cima do que eu disse desdizendo tudo. Hipócrita é aquele que não diz o que pensa ou sente, porque as palavras feias e sujas dele ainda estão ali caladas. Covardemente.

Depois da ressaca do mar


O que me falta é confiança: Em mim e no mundo. O mundo continua desconcertado, mas com confiança ele fica pelo menos um desconcerto organizado. E tudo fica mais passível de se resolver.

Um de maio de dois mil e dez.

Tristeza


A tristeza é o comburente mais potente que existe. Quando uma faísca, mesmo que ínfima, desperta sua chama, não há água que apague - ela sempre renasce do pouco que restou. Não há vento que amenize - um sopro e ela aumenta o tamanho de sua fúria. É preciso deixá-la consumir até o final, até que restem somente as cinzas, somente o pó das lembranças e mais nada.

Vinte e nove de abril de dois mil e dez.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Resposta ao eu-lírico masculino


E tu, num instante
Transformaras de menino a homem
E eu de mulher a menina acuada

Teu corpo viril e teu olhar flamejante
Diziam-me que poderias ser
O herói ou o grande vilão
De nossa pequena história

Vieste com o negro da noite
Tomar-me por terras desconhecidas

Teus braços fortes
Seguravam-me
Ora como protetor
Ora como assassino letal
Por entre a cavalgada
Em nossos secretos jardins

Enquanto teu lânguido falo
Falava-me
Do efêmero e do divinal

E no cheiro de pólen
Disperso pelo ambiente floral
Plantaste férteis sementes
Nas profundezas de minha terra

Arrancaste-me um suspiro
Que eu já não podia viver
Naquele conto de fadas

Nunca saberei se foi suicídio
Morte morrida, bala perdida
Doloso ou culposo homicídio

Mas por te amar
A morte foi fatal

terça-feira, 13 de abril de 2010

Néctar das Flores



Pela flor rósea
Esbaldaram-se vários beija-florex
Beberam-lhe o mel
O néctar dos amorex

Pólen eles trouxeram
Os bicos sugadorex
Que as flores emanaram
Com suas múltiplas corex

Mas só o real condutor
Soube da escolha certa
Buscou pelo odor
A abertura correta

Gerou no gineceu
Pelo fruto proibido
As sementes dela e do seu
Calor pra sempre provido

domingo, 4 de abril de 2010

...

Amor e Deus não existem, são invenções do homem. O telefone, a internet e o cortador de unhas também.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Assassina


Era uma dessas tardes de outono quando se tem frescor e um vento carregando as folhas secas. Trazia nas mãos o frio e no peito um tremor incerto. Não tinha a certeza do que iria fazer, mas algo em si movia-se lentamente na fração de segundo anterior que seu corpo cansado dava os passos. A mente estava ocupada por um vazio atônito ao que a face demonstrava apenas um leve enrugar por entre as sobrancelhas.
Era assim que tinha que ser.
Chegou à praça semi-deserta e lá estava ele: sentado de capa por entre as folhagens, apoiado na árvore. Trazia nas mãos o bater impaciente que guardava dentro do bolso. O horizonte era atravessado por seu olhar.
- Uma hora e meia.
Ela nada respondeu. Não havia do que se desculpar. Olhou para a copa da árvore, respirou fundo e agiu.
Assassina.
Assassina.
Assas...
Repetia a si mesma. Havia matado seu amor. E este por sua vez não teve velório, enterro ou lágrimas. As flores já estavam secas porque era outono. Não deixou pertences ou tantas lembranças. Foi como se desintegrasse no ar.
Apenas deixou saudades vazias.

domingo, 28 de março de 2010

Brigadeiro (poema concreto)


Brigadeiro
B - rigadeiro
Br - i - gadeiro
Briga - de - iro
Briga - de - ira
Briga - de - ir - a
Brigadeira

Brigadê - ira
Brigadê - iro

Brigadeiro = Lugar onde se briga.

Fight!

As duas grandes necessidades da vida


A ilusão do amor é como a ilusão de Deus...
No começo te falam que ele existe. Daí você idealiza o mito, sonha sua infância inteira com a grandiosidade de coisas que são metafísicas. Sente-se sozinho e descobre que necessita dessas coisas as quais você não sabe explicar, e as define por Deus ou amor.
Você evolui, e a vontade de buscar as coisas metafísicas cresce com você. Você entende agora que essas coisas já não fazem mais sentido, e busca um sentido pra esse algo, pra que preencha essa desesperança que te invade.
Você encontra alguém que não te explica, mas te faz sentir o metafísico. Dá o nome disso de amor. E em certos períodos você sempre denomina isso como amor.
E você vive sua amadurecência inteira entre o lapso da razão e da esperança em crer em uma ou duas dessas coisas.
Você envelhece. E se antes descobriu a verdade, agora precisa redescobrir a mentira, para que a morte não se torne uma futura companheira assim tão insuportável...
A gente sabe que não, mas precisa explicar-se dessa maneira para que a vida não seja vista assim tão cruelmente, não seja assim tão dura.
Ou a pessoa acredita nas duas ilusões, ou pelo menos em uma delas, ou a vida se tornará amarga...

Afinal, como diz Caio Fernando Abreu...
“Os homens precisam da ilusão do amor da mesma forma que precisam da ilusão de Deus”

quarta-feira, 24 de março de 2010

O meu eu

Sim, eu sou introspectiva. Quem me vê assim jamais imagina principalmente duas coisas: A primeira é que (acredite ou não!) eu já fui muito mais extrovertida que a pessoa mais extrovertida que você já conheceu; a segunda é que eu sou muito mais liberal do que o amigo mais “brisado” que você tem.
O fato é que eu sou de diferentes formas, jeitos, personalidades. Mas isso não é assim sem lógica. O que acontece é que eu tenho o lado racional e o lado emocional ambos fortes, e eles então vivem uma briga interior da qual eu sou a vítima e a vilã.
Explico: meu lado racional é uma velha, só pisa em chão firme, é rebuscado, nostálgico, tem SEMPRE uma opinião e nunca a troca, tem alguns princípios em que acredita (e que são diferentes dos princípios de todas as outras pessoas, e são libertários também!) e os segue a risca, egoísta leve, inflexível, sistemático, decidido, insistente, e outras coisas mais.
Meu lado emocional é uma criança, totalmente impulsiva, simples, vive no mundo dos sonhos, nunca tem uma opinião certa, seus princípios são não ter princípios, muda a todo o momento, potentemente altruísta, desencanado, indeciso, flexível, mutável, ...
E nessas combinações eu sou de mil maneiras. O meu equilíbrio não é a metade de cada um, mas forma dois inteiros de si, o que o deixa desequilibrado. O meu equilíbrio não é metade, mas os dois opostos. Sou o sagrado e o profano, o anjo e o demônio, o bem e o mal, o sublime e o terreno, o dentro e o fora, a santa e a puta. Sou difícil de lidar e entender.
E por ser de diferentes formas, tenho vários pontos de vista, enxergo de outros ângulos que não os das pessoas comuns, e tenho facilidade em me colocar no lugar de qualquer outra pessoa/ser/coisa.
E as pessoas também me vêem de diferentes formas. Há quem diga que eu sou tímida, e há quem diga que não. Há quem diga que eu sou madura e mulher, e há quem diga que eu sou uma criança inocente e imatura. Há quem diga que eu sou um gênio e há quem diga que eu sou burra. Há quem diga que eu sou metida e há quem diga que eu sou absolutamente simples.
Esses dias uma das pessoas que mais me conhece me disse que às vezes acha que eu não sou/vivo nesse mundo. E na verdade é isso mesmo. Eu transito com facilidade por todos os lugares, do castelo mais alto a floresta mais obscura, e acabo por não me incluir em nenhum. Eu sou o tudo e o nada. Não sou daqui.
No entanto, se existe a tal missão, sei o que vim fazer aqui. Depois de anos de crise existencial, uma frase abriu minha mente “O ator não faz teatro para catequizar, mas para entender os seus questionamentos.” E era isso. A ciência e a arte: é assim que eu busco entender o lado racional e o lado emocional do mundo. Eu vim pra buscar, conhecer, entender, questionar.
As vezes eu tenho dificuldade em falar sobre mim e frequentemente sobre qualquer coisa que eu não tenha segurança. E as vezes eu tenho imensa facilidade em falar sobre mim e faço discursos imensos sobre o que eu tenho segurança. Mas eu tenho necessidade de comunicação, e quando não dá pra ser falada, ela é mil vezes mais escrita, mil vezes mais dita pelo olhar, gesto, expressa na minha face. Ou mesmo suspensa no ar, porque o que eu comunico às pessoas não chega a uma ínfima quantia do que eu penso.
As únicas coisas que permanecem são meu lado libertário e as minhas mudanças repentinas devido a essa eterna briga interior. Talvez a hora que alguém ler eu já tenha me arrependido de dizer coisas íntimas, talvez ninguém leia, e certamente ainda há muito mais o que eu gostaria de dizer. Uma frase resume tudo o que eu gostaria de dizer nesse momento:

Sou por fim uma contradição, um paradoxo de mim mesma.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Poema aos Não-Efêmeros

Amor é fogo que arde ao se ver,
Sem que se veja.
Amor é chama que apaga,
Sem que se espere.

E da queima, resta-lhe as cinzas
E permanecem as partículas mais íntimas
Para que, se houver,
Chegada a hora
Renasça a fênix, a doce fênix
Com suas asas longas

Sujas de cinzas.
Feitas de cinzas.
E das partículas que não se acabam.

(Ou até que novo pássaro aponte no horizonte.)

Mas a constituição de cinzas é inevitável.


Tati Valença

sexta-feira, 12 de março de 2010

Ah, o amor...

Dizem que, para se amar algo ou alguém, duas coisas são necessárias: A primeira é amar a si mesmo (diga-se: amar, e não idolatrar-se). A segunda é não depender da coisa amada, assim como um vício depende, porque para se viver um amor, os dois amores tem que se bastar.
Verdade ou mentira, esta é de fato a forma mais saudável de ter alguém ao seu lado. Mas para o amor não há formas ou fórmulas certas ou erradas. Há amor.
Quem inventar um dia um termômetro de sentimentos ficará rico, porque sentimento não se mede. Não há muito ou pouco. Ou se ama, ou não se ama. O resto é gostar, querer bem.
Mas errou quem disse que não se pode amar duas pessoas ao mesmo tempo. Um exemplo disso é que conseguimos amar os nossos pais e amigos sem que um amor interfira no outro.
O amor de amante (diga-se: ser que ama) acontece da mesma maneira. Há vários subtipos dele. A maioria dos tipos e minoria das ocorrências são aqueles inexplicáveis. Às vezes a gente ama e não sabe como, não sabe o porquê, não pode dizer o quanto. Às vezes a gente não sabe afirmar nem mesmo se é amor de verdade. Mas sentimos uma ligação profunda, um sentimento tão bonito, uma felicidade imensa só de pensar na pessoa. Existe esse sentir e pronto, é amor, por mais que não se admita, simplesmente é.
Mas o que difere o amor de todos os outros sentimentos é que, meio que contrariando Vinícius, ele não morre. E eu explico: quando a gente ama alguém, a partir do momento que se fala ou sinta verdadeiramente, não há como voltar atrás. É algo pra vida toda. Daí acaba a chama, o amor adormece, mas permanece ali guardado num cantinho, por mais escondido que esteja, ou por mais que tentemos enganar a nós mesmos. Pode-se sentir raiva, rancor, rejeição, culpa, ódio. Ele permanece.
Às vezes o mundo mudou tanto a pessoa que amávamos, que esta não existe mais, então o amor de amante que fica é por um passado. Mas o amor é mutável, e como tal, você permanece amando a nova pessoa de um jeito diferente. Mas ainda assim continua amando.
É assim que se ama várias pessoas ao mesmo tempo, e é por isso que devemos tomar muito cuidado ao dizer uma palavra tão forte assim para alguém, porque AMOR, VIDA e ETERNO andam juntos.
Como diz Saint-Exupéry...
“Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.” (Saint-Exupéry)

quinta-feira, 4 de março de 2010

Espelho de concreto




Do homem moderno, são
As enxurradas de pensamentos instantâneos
Onde, fixamente, nos crânios
Se mantém a principal canção

Alva línea corre na paisagem
Nasce o espelho de concreto
Que, do sangue celeste pelo objeto
Elucida com cores a imagem

Do ponto, cuido
Para que não fuja
Encontro, desencontro, mente suja
Paralisado fica, o mundo mudo

No revezamento segue
A linha desenhada a carvão
Perdem tristes, mudos que são
Os passos do movimento leve

Ganharam já outras corridas
Mas pode ganho ser perda também
Tristes ficam, por ser mútua a ninguém
A busca por outras vidas

Enche, na forte batida vital
De esperança, a cada a postos
É jogo de opostos
Que termina na parada sub-mortal

De ocorrer, não há suicídios
Ou homicídios intencionais
Porque gélido dizem os canais
Termômetros sensíveis, dos

Findam inundações da gota essencial
Nos olhos e no firmamento
Finda esperança, caminho, busca, pensamento
Só não finda o sentir, sem ti, sentimental

Da questão, a solução é pedido:
Se ajudam as vozes agudas,
Por que, das rosas
O mudo clamor não é ouvido?

Tati Valença,
um de março de dois mil e dez.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Debaixo das Flores


Estava ela, como todos, absorta em pensamentos sobre o leito da clínica de recuperação, quando o estrondo do portão que bateu com força do lado de fora do quarto encaminhou-a para tristes lembranças. Tiro? Um olhar de medo tomou conta de sua face que tentava se esconder agora sob o leito. Diante do lençol entre suas mãos desvairava. Sangue... Ao seu redor havia olhares curiosos aos quais suplicava ajuda: “Chamem a ambulância, Andréia está ferida!”, mas estes não eram mais pedestres na rua, tampouco havia alguém em seus braços. A chegada do enfermeiro fez-la sorrir de esperança. Andréia está a salvo! À medida que aquele antídoto sonolento contra memórias trágicas percorria suas veias, retomava a consciência: Tarde demais, as belas flores não conseguiram esconder a feia tragédia. Não houvera mais nada a fazer.

Tati Valença

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Oásis




Sempre mantive um obscuro fascínio sobre a arte, sabia que ela saciava minha sede, mas ela sempre esteve fora do meu alcance. Eu mal sabia desenhar um coração...
Em dias chuvosos eu comprava um pacote de sulfites e pegava os velhos lápis de cor, assim pela metade, mal cuidados, e tentava exprimir-lhes um pouco do que dentro de mim havia. Saiam apenas borrões mal feitos, sombras longínquas do que eu realmente desejava expressar.
Comprei uma tela. Branca. Límpida. Ansiosa de alguém que lhe desse cores e formas múltiplas, que lhe imprimisse vida, construísse nela uma história com profundidade. Sujei-a com meus desgostos. Meus dedos lhe eram rabiscos fracos e sem nexo. Rabiscos toscos, sem significados. Sem vida.
Apareci um dia numa exposição de uma galeria de arte. E vivi a arte imunda e triste dos neoclássicos. Passava horas olhando sem prazer as velhas pinturas, e me impregnando de arte sem alma. Olhava traços marcantes e realistas que me levavam somente a minha melancólica realidade. E durante esses momentos eu chamava aquilo de arte, apreciava aquele estereótipo da realidade, frio e sujo.
Talvez algumas imagens nas telas remetessem a histórias significantes do pintor, mas eram vazias ao meu olhar.
Foi então que um dia o vento voou e veio parar em minhas mãos um convite de uma exposição surrealista. Meu primeiro ímpeto foi amassar e jogar no lixo. Amassei. E talvez pela minha incitante curiosidade, abri. Não joguei. Guardei. Chegou o dia. Disse não. Disse sim. E fui sozinha, com medo de me perder ainda mais na arte.
Naquele dia sem esperar eu encontrei. Encontrei as pinturas que muito diziam sobre mim. Encontrei o pintor. Visitei seu grandioso mundo e descobri meu lugar no seu. Ele me mostrou seu ateliê. Levou-me para dentro de si. Tomou-me nos braços e desenhou meu corpo radiante em sua tela. Era assim que ele me via, era assim que eu estava pela primeira vez. E fez de meu corpo a sua tela também. Desenhou em mim uma estrela que brilhava e explodia de forma e cores no nosso pequeno mundo.
Cheguei em minha casa e corri a tela suja. E sorrindo por ele, minhas mãos sabiam exatamente o que fazer. Aprendi a pintar. Pintei uma, duas, três, cem, mil estrelas e já não mais me reconhecia. Pintei nosso oásis surreal com meu cavalo protetor. Pintei nossa forma de amor. E eu podia morrer de pintar o que agora já era nosso universo.
Com ele, cada novo dia é uma nova estrela. Um pedaço do nosso universo descoberto. Um olhar profundo que só transborda felicidade.